sexta-feira, junho 02, 2006

alma mater

"Ontem apenas
fomos a voz sufocada
dum povo a dizer não quero;
fomos os bobos-do-rei
mastigando desespero.

Ontem apenas
fomos o povo a chorar
na sarjeta dos que, à força,
ultrajaram e venderam
esta terra, hoje nossa.

Uma gaivota voava, voava,
assas de vento,
coração de mar.
Como ela, somos livres,
somos livres de voar.

Uma papoila crescia, crescia,
grito vermelho
num campo cualquer.
Como ela somos livres,
somos livres de crescer.

Uma criança dizia, dizia
"quando for grande
não vou combater".
Como ela, somos livres,
somos livres de dizer.

Somos um povo que cerra fileiras,
parte à conquista
do pão e da paz.
Somos livres, somos livres,
não voltaremos atrás."


Se tem menos de 30 anos e conhece estes versos, é filho da revolução.
Um filho da revolução é alguém que não aprendeu a amar este país mas a sua história adulterada. É alguem que cresceu entre a nostalgia e a europa. Se para si os Greatest Hits of the 80's é a melhor banda sonora para viagens longas de carro você é defenitivamente um filho da revolução.


"Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né?"

"Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores, entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada, milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de policia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá!"


Eram estas as palavras aquando da fecundação, da gestação e do nascimento.. mas delas nos esquecemos todos os dias. Abril era sonho e por aí ficou. Não foi Abril quem nos fez mais felizes. Entreteve-nos uns tempos. Hoje é mais uma revista às tropas e discurso de cravo na mão que outra coisa qualquer. E assim tem de ser. Ainda hoje se evoca a Revolução Francesa e século das luzes. Abril foi a nossa década das luzes, da esperança e do pseudo-optimismo. Pronto a ser posto de lado e trocado pelo "eu não te disse? tava-se mesmo a ver".

É urgente o culto do Velho do Restelo. Só prestando vassalagem a esse senhor nos poderemos afastar do seu regaço. Reconhecei-o. Admirai-o. Fazei-lhe oferendas. Mas com ele não comungais.

Demasiado egoismo corrompe este país. Estamos, perdoem-me a redundância, iguais a nós mesmos.


Já sei que me vão falar de excepções, que ate somos os melhores do mundo nisto e naquilo, mas como uma andorinha não faz a Primavera.. por ca definhamos entre a novela das 7 e a novela das 10.

Não há altura melhor para se cortarem amarras. Farei um ultimato ao país que me tem refém. Se aí está a Europa, aqui estou eu. E são bem mais de 200km que nos separam. É todo o peso que de nós pende preso ao pequenismo. Como se o barco tivesse ganho pés e quisesse andar mas a âncora jaz no Cais das Colunas e daí não arreda pé. Antes só que mal acompanhado. Orgulhosamente só.

Pois que só fique. Este país se diz de emigrantes por alguma razão é. Cada vez mais me convenço que não foi para dar novos mundos ao mundo que nos fizemos ao caminho, mas para desta mentalidade apartar para não dizer a sete pés fugir.

"Tiveste gente de muita coragem
E acreditaste na tua mensagem
Foste ganhando terreno
E foste perdendo a memória

Já tinhas meio mundo na mão
Quiseste impor a tua religião
E acabaste por perder a liberdade
A caminho da glória

Tiveste muita carta para bater
Quem joga deve aprender a perder
Que a sorte nunca vem só
Quando bate à nossa porta

Esbanjaste muita vida nas apostas
E agora trazes o desgosto às costas
Não se pode estar direito
Quando se tem a espinha torta

Fizeste cegos de quem olhos tinha
Quiseste pôr toda a gente na linha
Trocaste a alma e o coração
Pela ponta das tuas lanças

Difamaste quem verdades dizia
Confundiste amor com pornografia
E depois perdeste o gosto
De brincar com as tuas crianças

Ai, Portugal, Portugal
De que é que tu estás à espera?
Tens um pé numa galera
E outro no fundo do mar
Ai, Portugal, Portugal
Enquanto ficares à espera
Ninguém te pode ajudar"

será que temos os dois pés no fundo do mar e não demos conta? será que a galera meteu água e afundou?

So te apetece dizer: é mesmo assim, não há nada a fazer
Mas se és filho da revolução acredita, tens de continuar a acreditar.
Não eramos na altura o país mais pobre dos 25. Alias nem sequer 25 havia. Outros vieram depois e já nos passaram. E nós cá continuamos a não querer ver.. a dizer que é possível, que já aconteceu no passado pior e ainda assim nos safamos. Então continuamos à espera que algo aconteça.. esperando..

"O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:

«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem são as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o monstrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»

E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alme teme

E
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»"


ainda há gente desta? que só no abismo se revela? que dá o peito à bala e o corpo ao manifesto?

e assim te digo:

"Addio, adieu, aufwiedersehen, Goodbye,
Amore , amour, meine liebe, love of my life."

até sempre, Portugal

cá te espero..

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